quarta-feira, 13 de maio de 2009

"Direitos Humanos no Sistema Prisional sob a ótica convergente de Beccaria e Ana Carolina"

Madalena Rodrigues
Aluna da Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP
Artigo que conquistou o segundo lugar no Encontro Regional dos Estudantes de Direito – ERED 2009: A luta pela efetivação dos Direitos Humanos no Nordeste
* Para baixar o artigo na íntegra, copie e cole no seu navegador:
http://www.4shared.com/file/105155741/b3e0d404/Universidade_Catlica_de_Pernambuco.html


OS DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA PRISIONAL SOB A ÓTICA CONVERGENTE DE BECCARIA E ANA CAROLINA

Épocas diferentes, costumes diferentes, pensamentos convergentes. A distância de mais de dois séculos não permitiu que as idéias da cantora mineira Ana Carolina se contrapusessem às de Beccaria quando se trata de Direitos Humanos e Sistema prisional. Ele pauta seus pensamentos com embasamento jurídico sem calar a voz da razão nem a pulsão dos seus sentimentos e da sua humanidade. Ela expõe seus pontos de vista através e suas letras fortes e com a presença marcante das análises sociais. O respeito aos Direitos Humanos no Sistema Prisional é discutido em ambos os casos.
Ana Carolina em sua composição “O Cristo de Madeira”, mostra a história de um ex detento contada a partir de um árduo recomeço. Um fracassado que ao obter sua liberdade se vê sem perspectivas nem oportunidades. Oportunidades essas que talvez não tenham sido dadas antes mesmo de ele entrar para o mundo da criminalidade. Beccaria com a obra “Dos Delitos e das Penas”, relata vários aspectos do Sistema Penal vigente em sua época e condenava os métodos empregados pelo Estado para com os sentenciados. Tortura, confisco de bens, pena de morte. Essas são algumas práticas utilizadas no século XVIII e que ainda perduram na nossa sociedade.
As masmorras não mais existem. Porém, o terror que se passava dentro delas infelizmente é possível de ser encontrado nas penitenciárias atualmente. As torturas que antes eram espetáculos para quem quisesse ver recolheram- se em recintos fechados. Nas penitenciárias as “salas de correção” ou as próprias celas tornaram-se os novos endereços dessa prática tão cruel. O sistema prisional no Brasil está sucateado. As detenções não possuem estruturas capazes de absorver os presos de forma digna. “A melhor definição para o sistema carcerário no Brasil é a de um verdadeiro inferno”, foi assim que o relator da CPI do Sistema Carcerário, Domingos Dutra, encerrada em 2008, avaliou tudo que viu. E se a situação for focada na região Nordeste as condições são alarmantes.
A CPI visitou alguns estados da região e encontrou presídios onde a comida para os presos eram servidas em sacos plásticos, sem nenhum tipo de talher como no Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS) no estado do Ceará.
“Um cidadão preso deve ficar na prisão apenas o tempo necessário para a instrução do processo; e os mais antigos detidos tem o direito de ser julgados em primeiro lugar” (Beccaria, 1764, p. 62). A maneira mais correta de visualizar o não cumprimento desse pensamento é visitando a maioria das Penitenciárias no Brasil. A superlotação denuncia a ausência de qualquer possibilidade de cumprimento dessa recomendação Beccariana. Muitos presos são juridicamente esquecidos pelo Estado e sem a condição de pagar uma assistência privada, ficam inflando as celas.
Tomando como exemplo a Colônia Penitenciária Feminina do Bom Pastor, em Pernambuco, a superlotação é de mais de 300%.O que esperar de um indivíduo que retorna a sociedade oriundo de um lugar como esse? O que o sistema prisional não só no nordeste, mas em todo o Brasil visa hoje é apenas dar uma resposta imediatista a sociedade “retirando de circulação” um criminoso. Ao adotar essa postura é esquecido que após o cumprimento da pena o indivíduo retorna a sociedade sem nada de positivo construído. Toda punição só é válida se tiver a finalidade de recuperar o infrator, de reestruturá-lo e devolvê-lo ao convívio social, do contrário, essa punição não tem sentido.
Os Direitos Humanos precisam ser garantidos não só por fundamentos baseados em algum aspecto de ”amor ao próximo” ou qualquer argumento de bondade do homem, mas visando a conduta desse detento quando ele deixar o cárcere. O cidadão que foi vítima uma vez pode ser novamente. E talvez de um crime ainda mais grave. Em “Dos Delitos e das Penas” Beccaria discute a ineficiência das punições cruéis empregadas aos criminosos. Na música “O Cristo de Madeira”, Ana Carolina discute os efeitos dessas punições. Ou seja, o reflexo disso na vida de um indivíduo que passou por esse sistema penal ineficiente. Não se pode deixar que o sentimento de vingança seja maior que o desejo de justiça.
O que observamos hoje na sociedade é que o cidadão cobra a postura de homem de quem recebe um tratamento inferior ao de animais. Como explicar a mentalidade de um cidadão que no século XXI ainda carrega o pensamento de que um delinquente tem que sofrer, literalmente na pele, castigos físicos capazes de fazer esse indivíduo repensar a validez da sua própria existência? Negar os Direitos Humanos àqueles que não cumprirem a lei é ratificar a saudade de uma ancestralidade onde as atrocidades imperavam nas masmorras, torturas e execuções cruéis mostradas em praça pública, eram normais. A sociedade está mergulhada numa falsa modernidade que só retarda o seu progresso e compromete seus interesses. A paz social pode ser considerada o maior deles.
Trazendo o raciocínio para a realidade brasileira e de forma específica, a monarquia caiu, anos se passaram e Xuxa ainda continua sendo a “Rainha” dos baixinhos e Pelé, o “Rei” do futebol. O que mais demora a mudar em qualquer civilização não são os costumes, a maneira de agir, ou fatores externos. O que se transforma com um maior grau de morosidade são as mentalidades, a forma de pensar dos indivíduos. Conserva-se ainda a idéia de que os métodos cruéis aplicados aos infratores são necessários para cessar nele o que o move para a criminalidade. Confortável ilusão. Não é a dureza das penas que vai garantir a sua eficiência, mas o rigor proporcional a cada delito na hora da aplicação delas.
A barbárie e a crueldade das penas não garantirão o fim da violência, nem muito menos inibir o ingresso de novos indivíduos na marginalidade. O sistema judiciário no Brasil precisa de uma extensa reforma. Estudiosos apontam a Constituição brasileira como uma das mais bem elaboradas do mundo, porém, o cumprimento do seu conteúdo ainda não é feito de forma plena. As leis tem de ser aplicadas de maneira mais justa e igualitárias, onde as penas sejam compatíveis com os crimes e que as distinções entre os indivíduos não existam. O preceito “todos são iguais perante a lei” precisa sair do papel.
Hoje Ana Carolina pode cantar as injustiças, mas, Beccaria sofreu perseguições e estava sempre temendo represálias. Mesmo assim, ao ler “Dos Delitos e das Penas” a indignação do autor diante da ausência dos Direitos Humanos e das absurdas práticas no Sistema Penal no século das luzes, é notada durante toda a obra. Ele lamentava que essas luzes não foram fortes o suficiente para iluminar os pensamentos dos que compunham os tribunais e aniquilar de vez as idéias retrógradas dos homens que ainda associavam o sofrimento à correção moral dos infratores.
"Quero respeito, os Humanos Direitos fazendo pensar os pilares de uma nova era.” (Nada te Faltará – Ana Carolina). Que esses pilares sejam fundamentados na tolerância e no respeito entre os homens. Que eles não se desfaçam em meio a teorias ceticistas que empurram as possibilidades de mudança para um lugar de difícil alcance. A sociedade precisa ser reinventada por cada cidadão a partir das mínimas ações de cada um visando o bem comum. Todo mundo quer um Mundo de paz, mas muitas vezes é através de métodos arbitrários e violentos que querem nele chegar. Mudemos as formas de pensar. Mentes recriadas, sociedade em progresso.

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